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Da utopia à realidade: os desafios da prática urbana no Brasil

Por Camilla Ghisleni

A busca pela cidade ideal sempre permeou a história da humanidade constituindo uma utopia perseguida por governantes, artistas, filósofos e, na história mais recente, por nós, urbanistas. Desde o século XIX foram propostos – e, por vezes construídos, - diversos modelos de cidades ideais, passando das cidades-jardim de Howard, às cidades mecanizadas, às radiais, às caminhantes do grupo Archigram, às nômades como a Nova Babilônia de Constant Nieuwenhuis, às modernistas, entre outras.

Em meio ao constante realinhamento de ideologias e necessidades, tal qual padece o espaço urbano, esses modelos utópicos surgem como ensaios experimentais. São reflexões críticas que se tornam uma importante ferramenta para entendermos as cidades e sua contextualização histórica. 

Nesse sentido, não precisaríamos ir muito além para analisarmos na prática tal conceito. O desenho de Brasília, nossa utopia mais próxima, materializa claramente o ideal modernista de cidade que se postulava na década de 50. Pelas mãos de Lúcio Costa, Brasília nasceu segundo os preceitos defendidos na Carta de Atenas que, ao marcar a história da construção urbana no Brasil, marca também a carreira profissional do urbanista. Por meio da enorme planta feita à mão na escala 1:25.000 e das 24 folhas datilografadas em tamanho ofício, ele imprime seu ideal de arquitetura no qual o arquiteto e urbanista deve ser, antes de tudo, um pensador.

Não à toa, a figura de Lúcio Costa materializa um modelo estruturado desde o final da Primeira Guerra Mundial que rompe a visão palaciana da cidade, assim como o historiador Giulio Carlo Argan  - entusiasta de Brasília quanto exemplo visionário – afirma quando diz que em tal modelo o arquiteto deixava de ser um profissional cindido entre as belas-artes e a engenharia para se tornar um urbanista, isto é, um intelectual capaz de pensar a sociedade como um todo.

Nessa sintetização teórica do papel do arquiteto e urbanista feita por Argan, e colocada em prática na posição de Lúcio Costa em Brasília, é possível perceber a grande complexidade que envolve assumir o desenho urbano. Não somente a enorme construção que preencheu o cerrado, mas mesmo os pequenos croquis que nunca saíram do papel são dotados de ideias e ideais que, estrategicamente, procuram convergir para a qualificação do espaço urbano. Utópicas ou materializadas, intricadas ou simplistas, as propostas urbanas demostram, portanto, uma árdua tarefa inserida no gesto de desenhar o palco onde se desenvolve a sociedade, carregando uma notória responsabilidade social.

Por esse ângulo, Argan afirma que é no campo urbano onde se distingue entre os “oportunistas que se põem a serviço da especulação imobiliária ajudando a piorar as condições urbanas e os que são conscientes de sua função social”. Já não se trata, portanto, da distinção entre empíricos e teóricos, entre artistas e engenheiros, e sim de uma distinção de ordem moral.

Na sua essência, o desenho urbano assume, então, um grande poder capaz de voltar-se como ferramenta de criação de uma cidade democrática, inclusiva e respeitosa. Nele são estabelecidos parâmetros que conduzirão a forma como a cidade deverá ser utilizada e ocupada. Na prática, principalmente se tratando da realidade brasileira, esse poder encontra muitas dificuldades. Nos entraves de implementação de um projeto urbano de qualidade, na árdua intermediação dos diversos interesses, entre muitos outros. Nesse sentido, a visão romântica do urbanista aos poucos dá lugar a uma série de desafios de ordem moral, física, financeira e projetual. Surgem nesse contexto agentes e fatores que constantemente delimitam essa função na cidade contemporânea. 

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Continua em archdaily

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