A lei da assistência técnica e a importância social da arquitetura
Por Camilla Ghisleni
Dois quartos, sala, cozinha e banheiro. O que parece ser a descrição contida em um classificado de jornal, na realidade, está muito longe disso. Os dormitórios voltados para sul não recebem luz necessária para possibilitar um ambiente salubre. O mofo e bolor corroem as paredes da habitação principal impregnando os pulmões de umidade e dificultando a respiração. A pequena janela, encontrada no terreno baldio próximo, não consegue suprir a necessidade de luz e ventilação no quarto das crianças, quarto este que agora se tornou insuficiente com a chegada do novo bebê. Os problemas estruturais encontrados no telhado, ocasionados pelo mal dimensionamento das vigas e a precária instalação elétrica, feita pelo próprio morador, são outras dificuldades que tornam a residência em questão uma bomba relógio.
O sonho da casa própria aos poucos desmorona.
Tais desafios causados pela precariedade da autoconstrução demonstram um antigo problema, a falta de auxílio técnico profissional no momento do projeto e da execução da obra. Infelizmente, hoje em dia, apenas uma pequena porção dos cidadãos consegue usufruir do trabalho de um profissional de arquitetura e/ou engenharia. Este fato resulta em uma enorme quantidade de habitações precárias - geralmente mais caras do que se tivessem sido construídas com a assistência - repletas de problemas relacionados não só ao conforto térmico mas também às questões estruturais.
Mas por que há esse abismo entre o cidadão necessitado de assistência profissional e os escritórios de engenharia e arquitetura? Escuto de muitos colegas de profissão reclamações recorrentes, a falta de trabalho, a dificuldade de inserção no mercado, a competividade e disputa por reconhecimento profissional. Somado a tudo isto está essa mesma insatisfação perante o distanciamento entre a arquitetura social e engajada e o trabalho que se tem feito dentro dos escritórios. Todos estes problemas parecem se relacionar ao caráter elitista da profissão que vem desde os currículos universitários que não abrem espaço para disciplinas sociais e discussão de prioridades na criação de cidades mais justas e democráticas. Apesar da arquitetura mundial ter começado a dar indícios de um maior reconhecimento em relação a posição social da profissão – como o prêmio Pritzker 2016 enfatizando o trabalho e engajamento de Alejandro Aravena – ainda há muito status envolvido na profissão do arquiteto. Há a fomentação de uma ideia de arquitetura ‘autoral de sucesso’ que recebe destaque somente através de grandes obras de alto padrão. Estruturas devidamente elitizadas que trabalham com clientes de peso como única alternativa para alcançar o reconhecimento profissional. A arquitetura submete-se aos desejos de uma pequena classe, sendo constantemente associada a uma necessidade supérflua, situação que ignora a população que realmente a necessita. Há uma inversão de valores e o sonho de uma arquitetura democrática e social se afasta cada vez mais da atuação profissional.
Pois então, de que adianta alcançarmos reconhecimento com grandes obras se fracassamos no papel social da profissão?
Tornar a arquitetura acessível é um processo longo e delicado. Além da urgente e necessária conscientização do papel social da arquitetura, que começa dentro das escolas, estão surgindo estratégias políticas que alimentam uma atmosfera mais esperançosa para tal situação. A principal delas, hoje, talvez seja a promulgação da Lei da Assistência Técnica Gratuita n.º 11.888/08 que permite a assistência técnica publica gratuita no projeto de habitações para famílias com renda mensal de até três salários mínimos. Trata-se de um fundo de recursos públicos que possibilita a contratação de profissionais de arquitetura e engenharia para a construção destas residências.
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